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Famílias pagam até R$ 260 mil para transformar cinzas de mortos em árvores, quadros e diamantes

Desde a venda de urnas até o envio de cinzas ao espaço, empresários têm faturado com formas alternativas de eternizar pessoas e bichos de estimação que morreram.

Por Júlia Nunes, g1

Cinzas de cremação podem ser transformadas em joias, árvores e quadros — Foto: Arquivo pessoal

Cinzas de cremação podem ser transformadas em joias, árvores e quadros — Foto: Arquivo pessoal

Guardar em urnas ou espalhar por lugares especiais. Esses são os destinos mais comuns de cinzas de cremação, mas algumas famílias têm encontrado outras alternativas como forma de eternizar seus entes queridos que partiram.

💰 Por valores que podem chegar a até R$ 260 mil, elas estão sendo transformadas em árvorespinturas e até diamantes (genuínos!).

Foi o que fez a ex-mulher de Jô Soares. No documentário Um Beijo do Gordo, disponível do Globoplay, ela mostrou a pequena pedra preciosa feita com as cinzas do apresentador.

“É muito pequenininha, não é uma coisa que tem valor comercial, mas tem todo o valor do mundo para mim”, disse Flávia Soares no programa Conversa com Bial.

Flávia Soares, ex-mulher de Jô Soares, fez um diamante com as cinzas dele — Foto: Globoplay/Reprodução

Flávia Soares, ex-mulher de Jô Soares, fez um diamante com as cinzas dele — Foto: Globoplay/Reprodução

Enquanto isso, outra Flávia, de Belo Horizonte (MG), tomou uma decisão diferente para homenagear a filha, a arquiteta Gabriela Muller, que morreu aos 25 anos de leucemia.

As cinzas da jovem foram transformadas em um Ipê-amarelo, que hoje está plantado em um bosque adaptado especialmente para isso, em Nova Lima (MG).

“Eu me sinto muito bem lá. Não dá nem para comparar com um cemitério. Não tem nada a ver. A gente já fez até piquenique, tem borboletas, canto de passarinho”, conta Flávia Muller.

Com a proposta de ressignificar o processo do luto, essas novas possibilidades geram oportunidades de negócio e aquecem o mercado funerário no Brasil.

Pequenos empreendedores faturam ao fazer joias personalizadas a partir das cinzas, tanto de pessoas como de bichinhos de estimação. Outra possibilidade, ainda, é enviar os restos mortais ao espaço! 😮🚀

No Brasil, não existe na legislação federal uma norma específica que regulamente a dispersão de cinzas de cremação em ambientes naturais ou a comercialização de produtos feitos a partir delas, explica o advogado Berlinque Cantelmo, sócio do escritório Cantelmo Advogados Associados.

No geral, segundo o especialista em direito penal, as famílias podem se dispor das cinzas de acordo com a sua vontade, mas devem observar as normas gerais de saúde pública e sanitárias. Algumas cidades brasileiras possuem regulamentações próprias sobre o assunto.

‘Não dou conta de enterrar minha filha’

Quando o médico foi até a casa da Flávia Muller, na noite do dia 7 de agosto de 2020, ela já sabia que as notícias não eram boas. A filha Gabriela, de 25 anos, estava internada em coma, com leucemia, e já não havia mais o que fazer.

“A gente sentiu, sabe? E eu virei para o médico e falei: ‘Eu não dou conta de enterrar minha filha, fazer todo aquele ritual para uma menina cheia de vida’”, conta.

Foi então que Flávia e a família conheceram, pelo médico, a proposta de um novo empreendimento que transforma cinzas de cremação em árvores. E, quando Gabriela morreu, na manhã do dia seguinte, esse foi o seu destino.

Gabriela Muller, de 25 anos, teve as cinzas transformadas em árvore — Foto: Arquivo pessoal

Gabriela Muller, de 25 anos, teve as cinzas transformadas em árvore — Foto: Arquivo pessoal

🌳 O processo funciona assim: a família escolhe o tipo de árvore e o local onde ela vai ser plantada dentro do parque em Nova Lima (MG). A primeira cerimônia é o plantio da muda, e as cinzas de cremação são misturadas à terra com a semente escolhida.

A planta fica no centro de incubação, em Belo Horizonte (MG), por até dois anos, até estar apta para ser transportada no solo do parque, quando a família realiza uma nova cerimônia de plantio.

Todo esse sistema foi desenvolvido do ponto de vista técnico-científico em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV), ressalta Hugo Tanure, fundador do Parque Brasil, grupo de soluções funerárias do qual o BioParque faz parte.

“Essa tecnologia permite que a semente se aproveite das cinzas para crescer, ao ser nutrida com os minerais resultantes da cremação”, explica.

Transformar cinzas em árvores custa cerca de R$ 20 mil em parque de Minas Gerais — Foto: Bioparque/Divulgação

Transformar cinzas em árvores custa cerca de R$ 20 mil em parque de Minas Gerais — Foto: Bioparque/Divulgação

Hoje, essa homenagem custa de R$ 15 mil a R$ 20 mil, sem contar o valor da cremação. Além da árvore única, as famílias podem comprar um jardim, com quatro árvores, e até um bosque, mais exclusivo, com 20.

“Nas modalidades de jardim e bosque, a família pode contratar ornamentação e paisagismo exclusivos. Pode contratar totens de vidro para identificar a pessoa homenageada, com foto, QR Code, casa de passarinho…”, lista Selma Capanema, executiva de negócios do empreendimento.

Para Gabriela, a família comprou um jardim e, recentemente, um jacarandá com as cinzas da avó dela também foi plantado no local.

“Vai fazer quatro anos do falecimento da minha filha e, pelo menos umas cinco vezes por ano, eu vou lá [no parque], em datas especiais, no aniversário dela, Dia das Mães… para dar um cheiro no meu ipê-amarelo”, completa Flávia.

Os diamantes de cinzas

Cinzas de cremação possuem carbono, e esse elemento especial permite que elas sejam transformadas em diamantes genuínos, por meio de um processo artificial.

«Tem um método que chega o mais próximo possível do que acontece na natureza. Eles pegam o carbono, que pode vir da natureza ou das cinzas de alguém, e colocam em fornos de alta pressão e alta temperatura para sintetizar o material», explica a especialista Cassandra Terra, professora do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

Diamantes feitos a partir de cinzas de cremação custam até R$ 260 mil — Foto: The Diamond/Divulgação

Diamantes feitos a partir de cinzas de cremação custam até R$ 260 mil — Foto: The Diamond/Divulgação

A empresária Mylena Cooper, dona de uma rede de serviços funerários na Região Sul do país, conheceu a tecnologia em feiras internacionais sobre o setor e decidiu montar um laboratório de fabricação no Brasil, em Curitiba (PR).

💎 Os diamantes são produzidos com 300 gramas de cinzas, mas também podem ser feitos a partir de fios de cabelo humano e até pelos de pets, que também são fontes de carbono. A depender do tamanho e da cor da pedra, os valores podem chegar a até R$ 260 mil.

“O diamante que mais sai custa cerca de R$ 5 mil», diz Mylena, diretora da The Diamond. E todo o processo de produção da pedra, incluindo o tempo no forno e a lapidação, leva em torno de três meses.

O cliente pode optar por guardar somente o diamante, que é eterno, ou comprá-lo já com a joia, como brincos ou anel. A produção da pedra pode ser feita com cinzas que estão guardadas, independentemente do tempo, ou que são resultantes de uma cremação recente.

“A minha avó foi sepultada e, anos depois, faleceu o meu avô, que foi cremado. Aí a gente exumou o corpo da minha avó, fez a cremação e fez diamantes das cinzas dos dois juntos, um para cada irmão”, conta Mylena.

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Viagem ao espaço 🌌

Outro serviço oferecido por algumas empresas brasileiras é o envio de cinzas ao espaço, por meio de parcerias com companhias americanas. Esse foi, inclusive, o destino das cinzas do ator James Doohan, o Scotty, da série Jornada nas Estrelas.

No negócio de Mylena Cooper, a parceria é com a empresa Celestis, e os preços variam entre R$ 25 mil e R$ 82 mil:

  • 🪙 Na opção mais em conta, uma nave lança cápsulas de voo com as cinzas para o espaço sideral e, depois de experimentar a gravidade zero, elas retornam à Terra e são devolvidas à família.
  • 💸 Na mais cara, as cinzas são enviadas como uma «carga secundária» em naves comerciais e científicas e ficam infinitamente no espaço. Há ainda voos que orbitam a Terra ou que pousam na lua.

Pagando a viagem à parte, a família também pode acompanhar o lançamento do foguete, geralmente na Flórida ou no México, segundo a empresária. Já se não for possível viajar, os parentes assistem ao evento por meio de uma transmissão ao vivo.

Nos EUA, familiares mandam restos mortais de parentes para o espaço

Joias, quadros e mais

Em meio às grandes inovações do setor funerário, pequenos empreendedores também têm encontrado um espaço. A artista plástica Flávia Lemos, do Rio de Janeiro (RJ), conta que percebeu uma brecha no mercado quando trabalhava produzindo acessórios para pets.

“Eu tinha uma marca de lacinho para cachorro, acessórios de luxo, e seguia várias páginas no Instagram relacionadas a isso. Até que um dia vi alguém fazendo as tais joias afetivas e achei interessante.”

Hoje, Flávia faz peças de resina a partir de cinzas de cremação, tanto de pets como de pessoas. São pingentes, amuletos, berloques de pulseiras e objetos como placas e pirâmides, para eternizar os entes queridos.

“Eu recebo as cinzas pelos correios e peneiro para remover o pó muito fininho, que não fica bonito na joia. Aí seleciono as partículas maiores e misturo com a resina. Dou um prazo de no máximo 20 dias úteis”, explica a dona da Sublime Amor Biojoias.

Os produtos custam a partir de R$ 119 e também podem ser feitos para marcar outras fases da vida, a partir de cabelos, dentes de leite e até leite materno (veja as fotos abaixo).

Flávia faz joias a partir de cinzas, pelos, leite materno, entre outros materiais biológicos — Foto: Sublime Amor Biojoias/Divulgação

Flávia faz joias a partir de cinzas, pelos, leite materno, entre outros materiais biológicos — Foto: Sublime Amor Biojoias/Divulgação

Formada em moda, a empreendedora Julyana Czezacki, de Maringá (PR), também atua no segmento. Ela faz joias de murano, um tipo de vidro, com cinzas de cremação, que custam entre R$ 300 e R$ 600.

“Eu derreto [o vidro] e coloco um pouquinho de cinzas. Fica o vidro colorido por dentro, as cinzas e uma camada de vidro transparente por fora. Daí vai para o forno”, explica.

Além das encomendas particulares, a empreendedora tem uma parceria com um crematório, que apresenta aos seus clientes o serviço das joias personalizadas.

A empresa atende os três estados da Região Sul do país e, entre as opções para o armazenamento de cinzas, também oferece urnas decorativas, urnas hidrossolúveis, para o descarte na água, e biournas, para o plantio.

Julyana Czezacki faz joias de murano, um tipo de vidro, com cinzas de cremação — Foto: Julyana Czezacki/Divulgação

Julyana Czezacki faz joias de murano, um tipo de vidro, com cinzas de cremação — Foto: Julyana Czezacki/Divulgação

Outra possibilidade no crematório é encomendar uma pintura feita com cinzas, um trabalho do artista plástico José Adalberto Boh, também de Maringá (PR), mas não há muita demanda pelo serviço, afirma Cézar Przybysz, gestor de operações do Crematório Angelus.

A técnica de Boh consiste em misturar as cinzas em tinta resina acrílica com pó de mármore. O trabalho demora em torno de 90 dias e custa de R$ 4 mil a R$ 5 mil, afirma o artista, que tem 80 anos.

“Agora estou pintando o pai de um senhor de Curitiba”, diz. “Também já fiz para uma neta que perdeu a avó e queria levar o quadro no casamento dela.”

Mulher encomendou retrato da avó feito com as cinzas dela — Foto: Boh/Divulgação

Mulher encomendou retrato da avó feito com as cinzas dela — Foto: Boh/Divulgação

Em São Paulo (SP), a artista Cláudia Eleutério também faz pintura com cinzas, mas ao misturá-las com tinta a óleo. Ela conta que chegou a patentear a “arte pictocrematória” e que já pintou a própria avó.